quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Um olhar sobre a tal da crise

De economia não entendo patavina. Do pouco que sei, nunca acreditei, como bom materialista (no sentido atribuído ao vocábulo por Marx, e não Madonna) na tal historieta da mão invisível. Pra mim todo esse papo sempre teve cheiro de fábula burguesa, mitologia liberal, conversa pra boi dormir.

Sendo assim, ninguém vai encontrar no meu rosto aquele olhar de “Papai Noel não existe” que hoje cobre a face dos apologistas da desregulamentação, seja nos círculos empresariais, econômicos, políticos ou da imprensa. Estou assustado, afinal sei lá o que vai acontecer com a mensalidade da escola do meu filho ou se meu emprego vai pro vinagre, mas não posso dizer que estou surpreso com o salto para trás do quasimodo capitalista.

De todo jeito, o que me parece essencial nesse bafafá todo não diz respeito a taxa de juros, swaps, hipotecas e derivativos, esses temas incompreensíveis que enchem as páginas dos jornais e empolgam debatedores nos programas de TV. A grande questão é, mais uma vez, quem vai pagar a conta.

Lembro aqui de uma velha amiga que me ensinou um brocardo de sabedoria ímpar, segundo o qual “passarinho que come pedra sabe o cu que tem”. No caso da economia, todavia, me parece que o cu proverbial foi terceirizado, outsourced na linguagem mais precisa do pensamento gerencial norte-americano. Dessa forma, os passarinhos (no caso as economias dos países centrais) podem comer à vontade tudo o que lhes dá na telha, com os temperos e especiarias que quiserem, porque o que não interessar, o que não for virar gordura, glicogênio, sairá rasgando as preguinhas do ânus alheio (as economias dos países periféricos).

Como sempre acontece, o desenrolar dessa crise vai apresentar duas formas de solução possíveis aos países menos desenvolvidos, dentre os quais o Brasil. Primeiro, a mais simples: tomar alguns medicamentos que ajudem na digestão da pedra e, depois que ela sair, sideusquiser menorzinha, passar uma pomadinha, evitar as assaduras e se preparar para a próxima. É o caminho da responsabilidade fiscal, da política monetária consequente, da cartilha da austeridade liberal.

Outra, mais ousada: falar pro passarinho – filhote, quem mandou comer essa porcaria? Agora güenta! Nesse bumbunzinho aqui não vai passar nada não! Quem manda ter o olho maior que a boca? Banana procê. Em outras palavras: vamos construir uma saída comum, negociada, mas com os ônus do ajuste recaindo prioritariamente nos países ricos e, dentro de cada nação, nas classes mais abastadas. Não vamos aceitar a socialização apenas das perdas, quando nunca se falou na coletivização do filé.

Claro que nada é simples assim. Mas não dá para acreditar numa via única, num caminho inexorável, na ausência de escolhas. Senão é defender o fim da história. E, caramba, isso eu não faço. Afinal de contas, tenho um filho de 3 anos.

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